O amor
“O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pr'a saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar..”
Interpretação:
Vejamos como é curiosa a maneira como Pessoa olha para
o amor. Em vez de elogiar o amor, Pessoa fica perturbado pela maneira como o
amor se revela em si mesmo. É a incapacidade de sentir, ou de pelo menos de
transmitir, de comunicar o sentimento, que é o verdadeiro tema deste poema, e
não o amor, o sentimento. "O amor, quando se revela, / Não se sabe
revelar. / Sabe bem olhar p'ra ela, / Mas não lhe sabe falar."
é uma interpretação tão íntima sobre amor que
remete para a forma como o poeta sentia as coisas. Por isso mesmo quando ele
diz "Fala: parece que mente / Cala: parece esquecer" Pessoa fala do
seu ponto de vista particular. É ele que parece não ser sincero quando tenta
ser sincero - é a sua dor interna que impede a sua sinceridade, a sua ligação
sincera a um outro ser humano.
É a presença sufocante do outro que impede o poeta de
falar o que sente. Por isso ele nos diz que "quem sente muito, cala; /
Quem quer dizer quanto sente / Fica sem alma nem fala, / Fica só,
inteiramente!". O seu desejo maior seria que o seu amor ouvisse este poema
mas sem o ouvir, que adivinhasse no seu olhar o sentimento, sem que houvesse
necessidade de falar. Há aqui também um pouco de medo de que o ideal decaia
quando se torna real, mas essencialmente o medo é de ser humano, o medo é medo
de ligação com o outro, a perda de controlo do "eu" em favor do
"outro".
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